sábado, abril 30, 2011

Sublinhados - VI

(...) -Vestem a rainha e o rei camisas compridas, que pelo chão arrastam, a do rei somente a fímbria bordada, a da rainha bom meio palmo mais, para que nem a ponta dos pés se veja, o dedo grande ou os outros, das impudicícias conhecidas talvez seja esta a mais ousada. D. João V conduz D. Maria Ana ao leito, leva-a pela mão como no baile o cavaleiro à dama, e antes de subirem os degrauzinhos, cada um de seu lado, ajoelham-se e dizem as orações acautelantes necessárias, para que não morram no momento do acto carnal, sem confissão, para que desta nova tentativa venha a resultar fruto, e sobre este ponto tem D. João V razões dobradas para esperar, confiança em Deus e no seu próprio vigor, por isso está dobrando a fé com que ao mesmo Deus impetra sucessão. Quanto a D. Maria Ana, é de crer que esteja rogando os mesmos favores, se porventura não tem motivos particulares que os dispensem e sejam segredo do confessionário. Já se deitaram. Esta é a cama que veio da Holanda quando a rainha veio da Áustria, mandada fazer de propósito pelo rei, a cama, a quem custou setenta e cinco mil cruzados, que em Portugal não há artífices de tanto primor, e, se os houvesse, sem dúvida ganhariam menos. A desprevenido olhar nem se sabe se é de madeira o magnífico móvel, coberto como está pela armação preciosa, tecida e bordada de florões e relevos de ouro, isto não falando do dossel que poderia servir para cobrir o papa. Quando a cama aqui foi posta e armada ainda não havia percevejos nela, tão nova era, mas depois, com o uso, o calor dos corpos, as migrações no interior do palácio, ou da cidade para dentro, donde este bichedo vem é que não se sabe, e sendo tão rica de matéria e adorno não se lhe pode aproximar um trapo a arder para queimar o enxame, não há mais remédio, ainda não o sendo, que pagar a Santo Aleixo cinquenta réis por ano, a ver se livra a rainha e a nós todos da praga e da coceira. Em noites que vem el-rei, os percevejos começam a atormentar mais tarde por via da agitação dos colchões, são bichos que gostam de sossego e gente adormecida. Lá na cama do rei estão outros à espera do seu quinhão de sangue, que não acham nem pior nem melhor que o restante da cidade, azul ou natural. D. Maria Ana estende ao rei a mãozinha suada e fria, que mesmo tendo aquecido debaixo do cobertor logo arrefece ao ar gélido do quarto, e el-rei, que já cumpriu o seu dever, e tudo espera do convencimento e criativo esforço com que o cumpriu, beija-lha como a rainha e futura mãe, se não presumiu demasiado frei António de S. José. É D. Maria Ana quem puxa o cordão da sineta, entram de um lado os camaristas do rei, do outro as damas, pairam cheiros diversos na atmosfera pesada, um deles que facilmente identificam, que sem o que a isto cheira não são possíveis milagres como o que desta vez se espera, porque a outra, e tão falada, incorpórea fecundação, foi uma vez sem exemplo, só para que se ficasse a saber que Deus, quando quer, não precisa de homens, embora não possa dispensar-se de mulheres. (...)


Memorial do Convento

(José Saramago)

quinta-feira, abril 28, 2011

quinta-feira, abril 21, 2011

terça-feira, abril 19, 2011

Músicas

Acho curtida esta musica, e viciante, quanto mais a ouço mais vontade tenho de a voltar a ouvir

segunda-feira, abril 18, 2011

exercitando os musculos e a escrita

Acabadinho de chegar do parque - 6,6km em 30 minutos, desta vez favorecido por um sol que a cada passo se encondia e uma brisa fresca, dou por mim a pensar, e se fizesse isto com maior assiduidade?
Encontrei um destes dias por lá o Cabo Machado, com menos 19 quilos - bem visíveis na indumentária tamanho XL num corpo agora L - e admirei-o pela força de vontade, corre todos os dias, e, disse ele, foi isso e um pouco de cuidado na alimentação que o trouxe ao peso actual.
No meu caso, não tenho nem nunca tive problemas de peso, mas gosto do sabor mesclado de vitória cansaço e suor de cada vez chegado a casa descalço os ténis e me espraio debaixo do chuveiro. Afinal, reconheça-se, vencer a preguiça e a inércia nem sempre é fácil.

segunda-feira, abril 11, 2011

sexta-feira, abril 08, 2011

A Beatnicks

O ritual começava na estação da CP, sim, que na altura ter carro era privilégio para muito poucos. Eram quase sempre os mesmos a entrar no comboio das 3 e vinte, para uma curta viagem de não mais que 15 minutos.


Chegados à pequena aldeia era vê-los então em grupos, no trajecto até à pequena discoteca que os acolhia quase todos os domingos. Tinha a particularidade de não exigir pares na entrada sem que isso prejudicasse o equilíbrio necessário para não estragar o ambiente. Embora parecendo apenas um pequeno pormenor, isso acabou por fidelizar aqueles com pouco à vontade no momento do “não te importas que entre contigo?”, não contando com o risco de, não havendo a quem o fazer, passarem grande parte da tarde ali à porta ou merecerem a compaixão do porteiro, o Eusébio, rapaz sóbrio e de bigode sempre impecavelmente tosquiado.


Sentados em pufs ao redor da pista, e enquanto aguardavam que o DJ Chico abrisse as hostilidades trocavam-se olhares e observava-se quem ia chegando num jogo próprio, e que se repetia a cada domingo.


Mas o momento mais ansiado esse chegava a meio da matiné quando, subitamente, as luzes se reduziam e se ouviam as primeiras batidas das baladas. Era o momento dos slows, e aí começava a debandada da pista, regressando aos poucos, primeiro os pares já assumidos, depois os mais decididos no convite, e aos poucos, aqueles que por timidez ou por terem perdido as primeiras escolhas, ou que simplesmente tiveram maior dificuldade na “negociação do par”.


Mas aquele era também o momento em que outros carpiam em frente a um copo de cerveja ou uma cuba livre mais uma oportunidade perdida, com o olhar distraído nas sombras que se moviam na promiscuidade da bola de cristal, e onde de quando em vez o contraste do néon fazia brilhar o branco daqueles bustos.



(isto a propósito desta musica que passou à pouco na rádio)

quinta-feira, abril 07, 2011

Sublinhados - V

(... De certeza que a mulher ajoelhada se chama Maria, pois de antemão sabíamos que todas quantas aqui vieram juntar-se usam esse nome, apenas uma delas, por ser ademais Madalena, se distingue onomasticamente das outras, ora, qualquer observador, se conhecedor bastante dos factos elementares da vida, jurará, à primeira vista, que a mencionada Madalena é esta precisamente, porquanto só uma pessoa como ela, de dissoluto passado, teria ousado apresentar-se, na hora trágica, com um decote tão aberto, e um corpete de tal maneira justo que lhe faz subir e altear a redondez dos seios, razão por que, inevitavelmente, está atraindo e retendo a mirada sôfrega dos homens que passam, com grave dano das almas, assim arrastadas à perdição pelo infame corpo. É, porém, de compungida tristeza a expressão do seu rosto, e o abandono do corpo não exprime senão a dor de uma alma, é certo que escondida por carnes tentadoras, mas que é nosso dever ter em conta, falamos da alma, claro está, esta mulher poderia até estar inteiramente nua, se em tal preparo tivessem escolhido representá-la, que ainda assim haveríamos de demonstrar-lhe respeito e homenagem...)


Evangelho Segundo Jesus Cristo (José Saramago)

sábado, abril 02, 2011

Objectos


A minha "Puch" , companheira de muitos passeios há cerca de 20 anos